segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Um de nós


"O Marítimo? Faz parte da minha vida. Deu-me uma oportunidade como jogador aos 29 anos, e depois deu-me a oportunidade de começar a carreira de treinador. Foram dez anos com muito sucesso. Nunca esquecerei o Marítimo e a Madeira."

Quando me lembro dele, a primeira coisa que me vem à cabeça é um contra-ataque do adversário. Qualquer contra-ataque, qualquer adversário, fosse um, ou fossem muitos. Não sabia exactamente como, só sabia que ia ser com classe. 3 segundos depois, balbuciaria o meu pai, com um sorriso mal escondido: "Mitchell. Fácil." Era isso que parecia. Ele nunca cortava feio, e raramente batia, talvez jogasse por regras diferentes. Calhando, nem sujava os calções. Era um daqueles defesas que faz carreira só para dar bom nome à profissão. Para mim, o Mitchell nunca fez um jogo mau. Jogos maus são coisa de jogadores desocupados, e o Mitchell era sério e holandês, tinha mais que fazer. Não fazia correrias, nem acrobacias e mal me lembro dele gritar com os colegas. O Mitchell sempre foi a prova acabada de um líder pelo exemplo. Para carisma e reverência, bastava-lhe estar. Tinha tanta qualidade e tamanho compromisso com aquela camisola, que não havia como não respeitar, e não tentar modestamente fazer o mais parecido possível. Não acho que, no seu mandato, algum jogador do Marítimo tenha falado para ele sem ter em conta, até à terceira camada do subconsciente, que estava a falar com o capitão. Nele, aquela braçadeira fez sempre sentido, e é isso que faz um mundo de diferença. Não conheço ninguém que o tenha visto, e que não ficasse orgulhoso por ser ele a levá-la.

Em Portugal, ele não vestiu outra camisola. Como tinha de ser. E depois de uma fugida curta à Arábia, voltou para casa, para contarmos com ele. 3 anos desde as botas penduradas, e foi a hora. A época estava estranha, e a aposta foi conservadora, barata, lançou-se um homem da casa para segurar o barco. Na altura, a falta de experiência assustou, mas, vendo agora, foi sempre lógico. Afinal de contas, ninguém melhor do que quem tinha feito vida a segurar-nos tantas vezes. Essa foi a equipa do Marítimo mais entusiástica que me lembro de ver. Não a melhor, não a mais temível, mas, sem ponta de dúvida, a que tinha o maior coração de todos. Lembro-me de um jogo em Belém, a perder 2-0, a jogar com 10, a um quarto-de-hora do fim. Empatámos. Sofríamos golos a rodos, mas uma coisa era certa: não havia adversário nenhum, nem resultado nenhum, que não pudéssemos virar. Esse Marítimo era uma vertigem de futebol total, e de emoção e nervos pela pele. Até hoje, se há "o jogo que eu não fui ver", é a última jornada desse ano, no Afonso Henriques. Tínhamos de ganhar para ir à Europa, o Vitória só precisava do empate, e marcou primeiro. O 2-1 final festejei como um título, a ver em comoção, pelo streaming, o Mitchell a chorar no campo, e depois a falar como um adepto, na sala de imprensa. Não como o jogador, não como o treinador, mas definitivamente, e nesse que foi o seu último grande dia de Marítimo, como um de nós. É isso que ele será para sempre.

Este ano, cada vitória do Belém é, pois, vitória de um dos nossos. Fico a torcer pelo Jamor imensamente. Se ele lá estiver, estará também o Marítimo.

7 comentários:

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  4. lololol "se estiver lá o belenenses estará o MARÍTIMO" essa é a piada do ano . flyer dutch só nosso belenenses na segunda uotra vez

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  5. Um artigo fantástico sobre o Mitchell e pelo seu autor desejar o sucesso do holandês, por achar que estando o Belenenses na final estará também um pouco do Marítimo, é já motivo para a insurreição e para colocar em segundo plano o que foi escrito acerca deste grande jogador que todos tivemos o privilégio de ver jogar.
    Se não concordam com o que é escrito que o demonstrem, mas não nesse tom.

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  6. Em primeiro lugar dar os parabéns ao Paulo Pereira pelo texto. É fantástico ler textos escritos por pessoas assim, que parecem que têm o dom da palavra.

    Foi um prazer poder ver este SENHOR (o perfeito exemplo do que é elegância em campo) jogar no meu Marítimo e futuramente, a par do Alex, serão os jogadores de quem falarei aos mais novos. São ídolos, grandes figuras do nosso clube que ficam para a história!

    Futuramente, gostaria de o ver de volta ao CSM e pelas palavras penso que se convidado ele teria todo o gosto em voltar (embora a sua saída não tivesse sido muito pacífica). Seria interessante ver um Mitchell com mais experiência como treinador ao leme do nosso Marítimo.
    Se não se der a oportunidade de o ter como treinador, seria de grande interesse ter esta figura (a mística constrói-se assim) na estrutura do clube. Como Manager, homem forte do futebol, porque não?

    Actualmente, sim, desejo-lhe os maiores sucessos como treinador. Sim, a ele e ao Belenenses. Desejar sucessos a um MARITIMISTA não me faz menos MARITIMISTA por tal!

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  7. Estive nesse jogo em Belém e foi fantástico. Quanto ao jogo com o Guimarães, sofri em casa, em Lisboa e depois fui para o Marquês com o cachecol do Marítimo enquanto os benfiquistas festejavam o título.

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