segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

No Caldeirão, Domingo às 4


Vou aos Barreiros desde os 8 anos. Já vi as melhores vitórias e as derrotas piores, já estive nos momentos mais contagiantes e nas depressões mais profundas, já vi jogos em todas as bancadas, já passei tardes com família, com amigos e com simples desconhecidos, já lá estive a suar em bica no pico do Verão e a apanhar as chuvadas mais dramáticas do auge do Inverno. Já vi tudo nos Barreiros.

Se aprendi alguma coisa, é que no campo só acontece uma parte do futebol. O jogo, na verdadeira acepção da palavra, é muito maior do que isso. É o gosto de chegar ao estádio. De ver as caras conhecidas, de ouvir as conversas e de partilhar o entusiasmo antes do primeiro pontapé. É ver, em todas as artérias próximas, a magia das nossas cores a convergirem para o coração do espectáculo, numa migração com que nos identificamos pela pele. É entrar e sentir-se em casa. Em cada esquina um amigo, todos tão diferentes quanto possível, a implicarem e a brigarem por ocasião, mas todos ali pelo mesmo, pelo que é muito maior do que eles. É festejar cada golo com o meu pai como se tivéssemos ganho qualquer coisa. É doer tardes e tardes até às vitórias, ou esperar e bater-lhes palmas, porque se perdemos, perdemos todos. Camus disse, uma vez, que tudo o que aprendeu sobre a moral dos homens, aprendeu-o nos campos, jogando futebol. Eu acredito que, sem a cultura de estádio, sem esse acumulado de experiência, não se pode saber verdadeiramente o que é viver o jogo.

Hoje, a ver a alegria transbordante da eterna matinée do Domingo às 4 nos Barreiros, tive a certeza que quem manda no futebol em Portugal não cresceu nem perto de um estádio. Um derby depois do almoço de Domingo, no sol frio de Inverno, com cheiro a Natal, é a razão porque, um dia, há 150 anos, houve um inglês que inventou o futebol. A família por todo o lado, os pais e os filhos, o conforto e o entusiasmo das pessoas. O espectáculo em estado puro. Jogar à 6ª, à 2ª e à noite é uma aberração própria de quem fez vida a fazer contas e a ver futebol pela televisão. Dizem que jogamos em todos os buracos de horário que nos mandam, porque precisamos do dinheiro da transmissão. Não é o produto que se adapta às pessoas, são as pessoas que se têm de adaptar ao produto, se quiserem. Não se respeita nem o jogo, nem a razão dele existir. Em vez de um mínimo de noção, há a pobreza de achar que estádios cada vez mais vazios são só um pormenor. Já no campeonato mais gloriosamente rentável do mundo, pelo contrário, é preciso um milagre para haver futebol sem a luz do dia. Tão ignorantes que eles são.

No entretanto, jogou-se o derby. Foi normal.

9 comentários:

  1. Este é daqueles que entra directamente para a galeria dos notáveis. Acho que merecia maior atenção e maior "feedback".

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  2. 200 pessoas viram este artigo.. duas comentaram.

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  3. "(...) porque se perdemos, perdemos todos."

    É algo que aprecio bastante, o sentimento de pertença. Gostei especialmente ainda esta época no final do jogo com o Braga, que infelizmente perdemos, no final da partida estarem todos a aplaudir e a gritar pela equipa. Pois por vezes temos de ser nós o pilar da equipa, especialmente nas derrotas. Não pode ser sempre a equipa a puxar por nós, por vezes os golos começam na bancada.

    Quanto à hora dos jogos, seria bom se todos fossem à mesma hora que este último jogo. Até porque Domingo à tarde os compromissos são praticamente almoços em família (tradicionalmente). Estranho até o facto do canal SportTv não dar a devida atenção a este jogo, ainda hoje no jornal da uma na TVI nem o resumo do jogo, nem mesmo apenas os dois golos, que demoraria apenas uns meros 20 segundos daquela hora e meia de notícias. Mas enfim, com a importância que dão, é do jeito que dormimos melhor.

    Só espero que este resultado catapulte a equipa para uma senda de bons resultados e que continue mesmo na Luz, que penso ter a oportunidade de marcar presença nesse próximo jogo.

    Quero aproveitar e dizer aqui também que, embora muito apagado, sempre está a surgir Fidélis, se continuar assim, deixo de insistir na ideia de que precisamos de um ponta de lança no mercado de Inverno.

    Saudações maritimistas!

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  4. E é esse sentimento de pertença que deve ser cultivado porque está em queda.
    As pessoas são demasiado exigentes e, como dizes, esperam que a equipa puxe por elas mas raramente estão dispostas a fazer o contrário.
    Como disse na altura, não merecemos continuar na Taça porque os adeptos não demonstraram que o queriam, não estiveram com a equipa. Se o fizessem, se demonstrassem essa força, essa fé, o Caldeirão teria estado bem mais composto e acredito que esse teria sido o pormenor a fazer a diferença.
    E, não nos deixemos iludir, este resultado ajuda à confiança da equipa, ajuda a que se trabalhe com maior tranquilidade, mas nada está ganho, continuamos muito distantes do objectivo inicial, não é por termos ganho um jogo que passamos a ser favoritos para o que quer que seja. Há que manter o apoio, a humildade, com a esperança que, tal como na época passada, sendo apontados como uma equipa que lutaria para não descer, possamos surpreender.

    Quanto ao horário dos jogos e à não transmissão do dérbi, sobre isso há pouco a dizer. Neste país a televisão é rainha, não lhes interessa que a Liga perca interesse, que as assistências continuem a descer vertiginosamente, que os clubes estejam a definhar, isso não lhes interessa. Desde que aqueles três clubes e o Sr. Joaquim Oliveira estejam bem servidos, o resto é paisagem, não tem a mínima importância para quem tem responsabilidades no nosso futebol.

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  5. Que grande texto! E sim, realmente foi muito bonito ver o estádio completamente cheio a puxar como no Marítimo. Viveu-se o Caldeirão no passado Domingo!

    Era bom que mais jogos se disputassem a esta hora (que sejam transmitidos, mas a esta hora) mas é óbvio que para haver esta atmosfera é necessário que o público também adira.

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  6. Venha o jogo! Acredito que será outro belo espetáculo de futebol... E que ganhe o Marítimo ;)

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